Nos últimos anos, a medicina tem assistido a mudanças significativas nas abordagens terapêuticas para o tratamento da obesidade. Um estudo recente apontou que o uso de medicamentos à base de agonistas do receptor GLP-1, como Ozempic e Wegovy, mais que dobrou entre 2022 e 2023. No mesmo período, as cirurgias bariátricas — anteriormente consideradas a principal intervenção para perda de peso em casos graves — caíram mais de 25%.

Esse movimento chama atenção não apenas por refletir uma mudança no comportamento de médicos e pacientes, mas também por levantar discussões sobre acesso, durabilidade, eficácia e segurança das abordagens disponíveis.

A ascensão dos medicamentos GLP-1

Ozempic (semaglutida) e Wegovy são exemplos de medicamentos originalmente desenvolvidos para o tratamento do diabetes tipo 2, mas que ganharam notoriedade por seu potente efeito na perda de peso. Eles atuam simulando o hormônio GLP-1, responsável por regular o apetite e os níveis de açúcar no sangue, ajudando os pacientes a sentirem-se saciados por mais tempo e a comerem menos.

Além disso, estudos indicam que esses medicamentos podem trazer benefícios cardiovasculares e, mais recentemente, até mesmo efeitos protetores para pacientes com doenças renais associadas ao diabetes. Com isso, passaram a ser prescritos com maior frequência, não apenas para diabéticos, mas também para pacientes com obesidade isolada — e com resultados promissores.

A adesão tem sido tão alta que, em alguns países, como os Estados Unidos, há inclusive registros de desabastecimento. Em muitos casos, a procura vai além de indicações clínicas, sendo motivada por objetivos estéticos ou pelo desejo de perda rápida de peso, o que abre um novo debate sobre o uso consciente e ético desses medicamentos.

Limitações dos medicamentos: nem tudo são flores

Apesar do sucesso, os GLP-1 não são livres de desafios. O custo elevado — tanto para sistemas de saúde quanto para o paciente — ainda é um obstáculo relevante. Além disso, os efeitos colaterais mais comuns incluem náuseas, vômitos, constipação e dor abdominal, o que pode levar à descontinuação do tratamento em alguns casos.

Outro ponto importante é a possível recuperação do peso perdido após a suspensão do medicamento. Estudos mostram que, quando os pacientes param de usar a semaglutida, parte significativa do peso tende a retornar, o que reforça a necessidade de manter o tratamento por longos períodos ou integrá-lo a mudanças sustentáveis de estilo de vida.

Por isso, apesar dos benefícios, especialistas defendem cautela e reforçam que os medicamentos não substituem a reeducação alimentar, o acompanhamento multidisciplinar e, quando indicado, a cirurgia bariátrica.

Cirurgia bariátrica: uma ferramenta ainda essencial

Enquanto os medicamentos ganham espaço, a queda de 25% nas cirurgias bariátricas no mesmo período desperta preocupação entre alguns profissionais. Isso porque, embora mais invasiva, a cirurgia ainda é considerada a intervenção com melhores resultados a longo prazo para obesidade severa, especialmente em pacientes com comorbidades.

A cirurgia não apenas reduz drasticamente o peso, como também melhora ou até reverte doenças associadas à obesidade, como diabetes tipo 2, hipertensão arterial, dislipidemias e apneia do sono. Além disso, quando acompanhada por um acompanhamento médico e psicológico adequado, pode representar uma mudança de vida definitiva para muitos pacientes.

No entanto, como todo procedimento, a cirurgia bariátrica também envolve riscos — desde complicações cirúrgicas até questões relacionadas à absorção de nutrientes — e exige um preparo rigoroso, além de adesão a um novo estilo de vida no pós-operatório.

A escolha certa: individualizar é a chave

O estudo que revelou esses dados aponta para um cenário em transformação, mas reforça a importância de se garantir acesso ampliado e qualificado a ambas as abordagens. Isso significa oferecer ao paciente uma jornada de cuidado individualizada, baseada em critérios clínicos, preferências pessoais, histórico médico e viabilidade financeira.

Nem todo paciente está apto a fazer uso contínuo de medicamentos como Ozempic ou Wegovy, assim como nem todos têm perfil ou desejo de se submeter à cirurgia bariátrica. Nesse sentido, o papel do médico e da equipe multidisciplinar é essencial para orientar, acompanhar e monitorar a escolha terapêutica mais adequada.

Também é fundamental ampliar o acesso aos tratamentos em sistemas públicos e suplementares de saúde, reduzindo desigualdades e garantindo que mais pessoas com obesidade possam tratar a doença com dignidade e segurança.

Um futuro de integração e inovação

Ao invés de confrontar as duas abordagens — farmacológica e cirúrgica —, o ideal é pensá-las de forma complementar e integrada. Há, inclusive, estudos sendo conduzidos para avaliar os benefícios do uso de GLP-1 antes ou depois da cirurgia bariátrica, como forma de melhorar resultados ou facilitar a perda de peso em casos mais complexos.

A obesidade é uma doença crônica multifatorial e precisa ser tratada como tal: com múltiplas estratégias, foco na prevenção, mudança de estilo de vida e acompanhamento a longo prazo. O avanço da tecnologia médica é bem-vindo, mas não deve substituir o cuidado humanizado e contínuo.

Considerações finais

A mudança no perfil dos tratamentos de obesidade entre 2022 e 2023 mostra o quão dinâmico é o campo da medicina. A popularização dos medicamentos GLP-1, como Ozempic e Wegovy, representa um marco importante, mas deve ser acompanhada com responsabilidade, ética e cuidado.

A cirurgia bariátrica, por sua vez, segue sendo uma das ferramentas mais eficazes no tratamento da obesidade grave, especialmente quando acompanhada de suporte multidisciplinar. Ambos os caminhos têm valor — e, juntos, podem transformar vidas.

Para os profissionais de saúde, o desafio é manter-se atualizado, ouvir o paciente com empatia e oferecer as melhores opções disponíveis com base em ciência, experiência clínica e individualidade. O objetivo final é comum: melhorar a qualidade de vida e promover saúde de forma sustentável.